O olho não pode olhar para si mesmo. Sua função é olhar para fora, distanciar-se de si mesmo. Se acontece dele olhar para si, então, é porque está doente! Por exemplo, se ele desenvolve uma catarata, então deixa de ver o que está fora e vê-se anuviado, perde a nitidez. Nesse sentido ele só se vê (se enxerga) quando está doente. Por sua natureza é impulsionado a perceber o que está fora. Deparar-se com o outro, com as coisas, com o mundo, com os seres. É para isso que ele existe! pôr-se em contato com o que está fora, por isso não pode se deter em olhar para si. Quando se volta para si, adoece e perde sua finalidade de ver! O olho não tem a função de discernir, ele vê o que vê e pronto, não faz julgamento sobre o visto. Não é seu papel. Nós sabemos, nem tudo o que vemos faz bem à mente, ao coração, à vida. Temos outros mecanismos para discernir. Aqui estamos olhando para os olhos que veem tudo o que está ao seu alcance, ele deixa de ver se ordenamos que não olhe! Nesse caso, é o outro olho, o do coração que fica no comando!
Podemos usar essa analogia do olho, para entender o sentido de nossa vida. Nós também fomos feitos para sair de nós mesmos. Somos para os outros, para o mundo. É fora de nós que encontramos o “campo” para nos reconhecermos e relacionarmos. Quando alguém se fecha sobre si mesmo, fica doente. E quando se está doente o que aparece são as queixas: tô indisposto, tô com dor, tô com tristeza, tô com depressão, tô com ansiedade, tô mal! Tudo acontece dentro. A vida fica difícil de ser gerida quando perde o foco. Quando isso acontece, deixou de ver a beleza que está fora, no convívio sadio com os outros, no coração solidário e gentil, no aceitar até o sofrimento descobrindo para ele um sentido. Tudo aquilo que nos faz feliz está fora de nós e é preciso sintonizar e internalizar. Coração fechado, bloqueia-se diante da vida que está fora e não permite desfrutá-la, fecha a sintonia. É como o olho com as pálpebras cerradas, não vê mais por que se fechou sobre si mesmo. Nós não temos a felicidade dentro de nós senão a encontramos primeiro fora de nós, em Deus, nos outros, no que fazemos...
Assim como o olho se realiza trazendo àquilo que está fora para ser revelado dentro. O visto fora quando entra move o que está dentro. Por exemplo: A beleza que o olho vê fora e traz para dentro, dá leveza para a alma que a contempla, a pluralidade das coisas vista pelo olho mostra a complexidade da natureza e as transformações feitas pela engenharia humana, causam até devaneios ao espírito. A candura de uma flor balançando suas pétalas captada pela visão, torna-se colírio que limpa a alma de suas impurezas, olhar para um cachorrinho dengoso, desperta no íntimo os afetos por ele, ver um pássaro voante, à sua vista atiça as asas da imaginação e faz sonhar com as lembranças que povoam a mente, olhar para as estrelas brilhantes que escondem os mistérios do universo, vemo-los trazidos pra mais perto, olhando para as ondas do mar balançando, trazem à baila nostalgias gostosas de um fim de tarde à beira mar. Tudo isso vai acontecendo enquanto os olhos abertos trazem as coisas e dentro são selecionadas para não confundi-las em suas singularidades, e assim podemos desfrutar do mundo que os olhos nos mostra, alcançamos a realidade e vamos vivendo nossos dias.
Também a vida precisa ser assim. Aberta para lançar-se para fora. Sair de si é a chave para os encontros com aquilo que ela precisa para acomodar o coração e soerguer-se no ambiente onde vive. Nele há tudo de que precisamos para dar sentido à vida, mesmo àquilo que porventura os olhos não consigam ver. Sim, há coisas que só os olhos do coração aberto podem discernir e entender. É o que está oculto nas entrelinhas do visto. Quando o olho olha, pode ver quase tudo, tende a envolver-se naquilo que é mais atraente. Na vida, porém, precisa-se ter cuidado ao fazer nossas escolhas, selecionando o que faz bem a ela. Nem tudo o que o olho vê é útil e agradável, ele, às vezes, pode se enganar com as aparências, pois não sabe discernir em que fixar seu olhar, pois, é certo, há coisas ele vê que não convém à vida. É o olho coração aberto que está apto para uma escolha certeira evitando deixar-se enganar pelas aparências e abstraindo, ficar com o que é essencial.
Há um outro detalhe, nem tudo o olho consegue ver, tem seus limites, mas o que vê é suficiente para encher suas retinas e transformá-las em imagens que o cérebro decifra. Nem tudo podemos na vida, mas, aquilo que está ao nosso alcance é suficiente para nos fazer gostar dela e cuidar para que não se disperse naquilo que está fora de alcance ou adoeça por fechamento sobre si mesma. Fiquemos de “olho” naquilo que os olhos veem, entre todas as suas visões saibamos descobrir naquilo que eles mostram, o que é útil prá vida ser feliz.